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BOLETIM DO NCH Nº 15, 2006
OBRA DE PEDRO DA SILVEIRA. ENSAIOS. ESTUDOS

Rute Dias Gregório
PROPRIEDADE PICOENSE DE JOS DUTRA, 2.º CAPITÃO DO FAIAL E PICO NA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO XVI

  Index
Sumário
Summary
Introdução
Localização e composição dos bens
Estratégias de exploração das terras
Conclusão
Bibliografia e fontes
Documentos
  Gregório, R. D. (2006), Propriedade picoense de Jos Dutra, 2.º capitão do Faial e Pico, na segunda década do século XVI. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 15: 127-137.

Sumário: A propriedade de Jos Dutra, segundo capitão do Faial e Pico, em 1517/1518 é composta por casas, terras e gado, para além dos direitos senhoriais e dos monopólios que estão associados à respectiva capitania. Sem nos fornecer todos os elementos necessários ao estudo de um património, o inventário que serve de base ilustra de igual modo vários mecanismos de aquisição de bens e, principalmente, as formas de exploração da propriedade. Neste quadro, destaque-se o relevo dado à criação de gado e aos modelos de exploração que lhe estão subjacentes, realidade que confirma o perfil económico do Pico nos primórdios. Para além destes aspectos, no quadro duplo da afirmação terra-tenente e das dificuldades do povoamento da ilha, é de destacar a estratégia de concertação entre o capitão e um poderoso que emergia nas ilhas, Pêro Anes do Canto, através da co-propriedade de terras e criações e da salvaguarda de privilégios e interesses de ambas as partes.
  Gregório, R. D. (2006), The Jos Dutra property in Pico’s island in second decade of XVI century. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 15: 127-137.

Summary: The property of Jos Dutra, the second captain of Faial and Pico, was composed in 1517-1518 of houses, land and cattle. The seigniorial rights and monopolies associated with his position also stand out among his possessions. In spite of some gaps, the inventory document provides us with information about his practices of land acquisition and use. The document shows animal husbandry and related activities to be at the centre of the captain’s economic activities, which serves to confirm Pico’s economic orientation during the first years of human occupation. Further, it details the partnership formed by Jos Dutra with Pero Anes do Canto, an emergent landowner. Dutra entered into the partnership with the purpose of peopling the island and obtaining economic benefit from his own property. This agreement involved the shared ownership of property and livestock, and was undertaken to safeguard the interests and privileges of both parties.
  Rute Dias Gregório – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais. Rua da Mãe de Deus. Universidade dos Açores. 9501-801 Ponta Delgada – rute@notes.uac.pt
  Palavras-chave: propriedade, património, criação de gado, capitania, Pico, Açores. Kew-words: property, landholdings, animal husbandry, capitania, island of Pico, Azores.

Introdução

Este pequeno estudo foi suscitado pela cópia de parte de um inventário de bens de Jos Dutra, 2.º capitão do Faial e Pico, existente no espólio documental de Pêro Anes do Canto (D ocumento 1).

Com carácter informal e sem data, sabemos visar o segundo capitão e não o homónimo seu pai, falecido cerca de 1495 (Arquivo dos Açores [1527], I: 164), pelas constantes referências a Pêro Anes do Canto que apenas se atesta no arquipélago a partir de 1505 (G regório, 2001: 25). Para mais, porque o segundo capitão era já falecido em 1550, data em que o sucessor Manuel Dutra Corte Real é encartado na capitania (Arquivo dos Açores [1550], I: 161), e porque é o próprio que arrola os respectivos bens, o inventário em causa apenas podia enquadrar-se na primeira metade do século XVI. Além disso, o estudo que foi concretizado sobre o património de Pêro Anes do Canto vinha agora a precisar essa datação. O D ocumento 1, em apêndice, referencia o carácter recente da posse deste último proprietário sobre certa metade de criação localizada nas confrontações do Monte Queimado, carácter recente expresso nos termos de ora posuy. Da aquisição de metade da criação e terra é conhecida escritura de compra datada de 17 de Junho de 1517, a qual foi outorgada em presença e pelo próprio capitão Jos Dutra (Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (a), II: 49). Se este se pode considerar o momento da aquisição e se, porventura, não está por documentar qualquer outra iniciativa de Pêro Anes do Canto na área, então diremos que a inventariação em causa acontecia pouco tempo depois da referida compra.

Deste modo emerge um arrolamento preciso dos bens do capitão Jos Dutra no Pico, com data provável de finais de 1517 ou de inícios de 1518, que se pretende analisar em termos de composição, de rentabilização económica e das estratégias de ocupação e de exploração da ilha.

Localização e composição dos bens

 

Como comprova o D ocumento 1, por volta de 1517/1518 o segundo capitão do Faial e Pico possuía, nesta última ilha, um razoável conjunto de bens, composto por edifícios, terras e gado. Excluindo a referência ao Capelo que inicia o inventário – na ilha do Faial e que não serve os propósitos deste trabalho –, os bens de Jos Dutra, no Pico, localizavam-se na vila das Lajes e nas áreas dos Mosteiros, Lagido Pequeno e Monte Queimado. Os três últimos topónimos levantam algumas dificuldades, mas em estudo anterior o Monte Queimado foi localizado na banda Oeste da ilha, o Lagido Pequeno na banda Noroeste (G regório, 2001: 107, 220 e 313) e hoje é sabido que os mosteiros ficariam nas imediações das furnas do Lagido Pequeno e além da Calheta do Peixe (O Tombo de Pêro Anes do Canto (1482-1515) [1515], doc. 65, 158-159). Para mais, a terra confrontante com o cabeço da sellada d’atalhada e com terra de Pêro Anes do Canto talvez se situasse nas proximidades da Calheta de Mateus, já que em 1511 a mulher de Pêro Anes de Caria possuía ali uma terra confrontante com outra de Pêro Anes do Canto e ambos os proprietários são referenciados como contíguos na dita terra do cabeço da sellada d’atalhada, pertencente ao capitão.

Comparando as localizações destes bens com as parcas referências às do património de Beatriz de Macedo, mãe deste capitão e mulher do primeiro (também Jos Dutra), a área do Monte Queimado – se bem que não determinada explicitamente a ilha – reaparece no respectivo testamento (Arquivo dos Açores [1527], I: 167). Não excluindo de todo a hipótese da antiga capitoa ter obtido a terra após a morte de seu marido, a verdade é que a probabilidade desta posse se ter afirmado antes de 1495 e em vida do antigo capitão é também muito credível. Tal fundamentaria a conjectura de uma área de interesse quatrocentista no Pico, ligada à criação de gado, cuja proximidade do topónimo actual Criação Velha não é pois inconsequente e antes aponta para a antiguidade e contornos da primeira ocupação do lugar.

Entre os bens, salientam-se inicialmente os relacionados com os direitos da capitania, como os fornos de poia e a cadeia (Q uadro I, n. os 1 e 3). É sabido que aos capitães pertencia o monopólio dos referidos fornos e que as respectivas competências também abarcavam o judicial. Não obstante, é difícil documentar os reais âmbitos dessa alçada nas épocas mais remotas, já que praticamente não existe documentação sobre o exercício destas funções (S aldanha, 1992: 53-53). Para os Açores, são conhecidos alguns registos de soldadas a carcereiros e gastos com a manutenção da cadeia da vila da Praia - Terceira (1533-1537), tal como documentamos o exercício desta competência na ilha de S. Miguel (1510), em situações de apelação na alçada do cível e envolvendo questões da posse da terra (Arquivo dos Açores [1510], XI: 4-8). Para mais, a carta de alçada dos capitães ao nível do judicial, de 1520, pressupõe amplos poderes, tanto no cível como no crime (Fenix Angrence [c. 1689-1711], 1: 157-158). Não obstante, praticamente nada restou dos registos dos processos e da aplicação das sentenças, com incidência na alçada do crime, tanto para o Pico como para as demais ilhas. Ao mesmo tempo e como corolário, é impossível calcular os proventos materiais que advinham do exercício de tais competências judiciais.

Idêntica omissão documental acontece quanto aos réditos e formas de gestão dos fornos. Neste último caso, os dados tratados para a capitania da Praia (Terceira), de 1534 a 1537, são até agora únicos e mostram uma forma de gestão assente em arrendamentos anuais em praça pública (G regório, 2004: 169). É desconhecido se Jos Dutra rentabilizava do mesmo modo os seus fornos de poia da vila das Lajes, sendo certo que esta prática de arrendamento já se documenta em senhorios continentais de quatrocentos (G onçalves, 1989: 459).

Fora os referidos, emerge um outro conjunto de bens patrimoniais próprios, assentes em escritura de compra (Q UADRO I, n. os 5 e 8), invocando obscuras cartas de dadas (Quadro I, n.º 7) ou títulos não definidos (Quadro I, n.º 4) e ainda apenas fundamentados em demarcações por direitos de posse antiga (Quadro I, n. os 2 e 3). Sesmarias e compras constituem as habituais formas de aquisição do património nos primórdios da ocupação das ilhas, inclusive no Pico (Gregório, 1998: 514-515). O que aqui se torna interessante ressalvar é a fundamentação baseada em demarcações antigas, o que tanto pode apontar para registos escritos constantes num qualquer «cadastro», como para a existência de marcos físicos no espaço. Uma das alternativas serviria, pelo menos para o capitão, como prova de «terra possuída».

Em relação a estes bens próprios, registemos as edificações, ditas casas, duas de palha para abrigo dos pastores (Quadro I, n. os 5 e 6) e umas que se anunciam mais elaboradas, de sobrado (Quadro I, n.º 1), talvez com funções de residência no segundo piso e armazenamento no primeiro. A afirmação é feita de modo hipotético, com base em estudos que confirmam o estabelecimento deste tipo de estruturas nas localidades mais significativas das ilhas e funcionando como uma espécie de «cabeça» dos patrimónios individuais (Gregório, 1998: 11), se bem que muitas destas averiguações ainda se encontrem inéditas.

Já no concernente às terras propriamente ditas, tirando a d’atalhada que não fica claro como é aproveitada (Quadro I, n.º 8), apenas uma se tem por lavradia e de sementeira (Quadro I, n.º 3), sendo as demais exploradas com criação de gado. Ficam por explicitar objectivamente os cultivos da terra da ladeyra, defronte das casas do capitão (Quadro I, n.º 2), mas é possível adiantar mais alguns dados e conclusões a propósito das cryações.

Estratégias de exploração das terras

Logo à partida, o primeiro perfil de exploração agro-pecuária desta ilha, com forte vocação para a criação de gado (Costa, 1997: 38 e 156-158), assoma neste inventário com carácter exemplar e sai daqui reforçado.

É o gado bovino e caprino que emerge destes centros de criação de Jos Dutra (Q uadro I, n. os 4, 5, 6 e 7). Os respectivos cômputos gerais não se apuram, já que apenas duas (Q uadro I, n. os 5 e 6) das quatro criações referenciam o número de cabeças de gado, no somatório de sessenta vacas. De qualquer modo, destaca-se com particular relevância a co-propriedade da terra e do gado com Pêro Anes do Canto em dois dos casos (Q uadro I, n. os 6 e 7). Ambas as situações se verificam em explorações que tomam o Monte Queimado por referência, uma delas nos designados Ilhéus (Q uadro I, n.º 6). Esta última, na respectiva metade, foi adquirida por Pêro Anes do Canto a Pêro Gonçalves de Castelo Branco (Faial), em 1507, com o acordo do dito capitão. Em Agosto de 1506, onze a doze anos antes do Documento I, toda a criação era composta por quarenta cabeças de gado bovino e quinhentas de caprino (O Tombo de Pêro Anes do Canto (1482-1515) [1515], doc. 64: 154-158). A julgar pelas trinta cabeças referidas como pertencentes ao capitão neste inventário, é possível que o todo andasse agora pelas sessenta cabeças, sem que se consigam alvitrar quaisquer cômputos para o gado caprino. Para além disso, da outra propriedade e criação do Monte Queimado, aquela que na respectiva metade Pêro Anes do Canto adquirira «recentemente», também constavam casas e uma atafona – outro meio de produção monopolizado pelo capitão –, conforme a escritura de compra de 17 de Junho de 1517 (Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (a), II: 49). Ora estas são informações complementares do património do capitão Jos Dutra que se colhem na documentação da casa do primeiro Canto da ilha.

Ademais, a par desta co-responsabilidade na iniciativa das explorações, identificamos uma terra do capitão que estava na posse de Pêro Anes do Canto, a tal da sellada d’atalhada (Q uadro I, n.º 8). O mesmo inventário refere ainda um acordo com o referido proprietário a propósito da criação e terra confrontante com o Lagido Pequeno, adquirida aos «Toledo» (Q uadro I, n.º 5). Sobre o assunto é possível dizer que, em Junho de 1506, Pêro Anes do Canto recebera sesmaria confrontante com a Calheta do Peixe e terra de João de Toledo, a qual ia pela costa às Furnas do Lagido Pequeno onde confrontava, por sua vez, com terras do capitão. Por essa carta de dada é sabido que a posse da nova terra, entre as mais condições próprias das sesmarias, estava condicionada a abrigar um curral do capitão na dita terra, caso se dessem problemas de falta de água nas terras do capitão e houvesse necessidade de dessedentar as reses de Jos Dutra (O Tombo de Pêro Anes do Canto (1482-1515) [1515], doc. 65: 158-159). Estaremos, pois, perante o eventual concerto com Pêro Anes do Canto, invocado no Documento 1. Todas estas situações de co-propriedade, o usufruto de terra por Pêro Anes do Canto e a sesmaria condicional com a salvaguarda dos interesses de Jos Dutra, ilustram uma acção concertada entre o capitão do Pico e um terra-tenente, detentor de capitais, cuja casa se encontrava em formação. Para mais, a tantas vezes citada isenção de Pêro Anes do Canto da obrigatoriedade de manter o seu gado, no Pico, pastoreado por homens livres, casados e não por escravos, privilégio garantido pelo dito capitão Jos Dutra (O Tombo de Pêro Anes do Canto (1482-1515) [1515], doc. 66: 159-160), confirma um sistema de cooperação efectivo entre as partes. A Pêro Anes do Canto interessava expandir as respectivas áreas de domínio patrimonial, a Jos Dutra impunha-se captar capitais e investimentos para uma ilha cuja primeira ocupação humana se sabe ter arrancado com dificuldades acrescidas (Costa, 1997: 38-41). E isto, mesmo que se tivesse de sacrificar o preceito, em si aparentemente mais favorável ao projecto de povoamento da ilha, que constituía a postura obrigatória dos gados mantidos por pequenos núcleos familiares encabeçados por homens livres.

Para mais, fruto desta confluência de interesses, a documentação da casa Canto continua a ser útil para o estudo das formas de rentabilização do património picaroto de Jos Dutra. Escravos na criação de gado poderão fundamentar um regime de exploração directa, mas as alusões a rendeiros nas terras que ambos partilhavam, já em 1506, comprovam também modelos indirectos deste aproveitamento económico (Gregório, 1998: 520). De qualquer modo, o que é sabido em geral acerca das criações, tomando muito particularmente as de Pêro Anes do Canto no Pico, é que elas, sendo entregues a criadores/rendeiros, estão associadas a sistemas de parceria na exploração. Os estromentos de partydo ou arrendamentos e partydos (Gregório, 2001: 217-218) constituem acordos de exploração em que terra e gado são à partida do senhorio e pelo multiplicar das reses se definem os termos do engrossar do cabedal do proprietário e a constituição do rebanho próprio do rendeiro. Esta será a base de possíveis acordos de meias, onde emergem os chamados meeiros, referidos por Gil (1982: 545-546). Aliás, o próprio inventário pode indiciar tal forma de exploração ao referenciar um criador, este informando directamente o capitão sobre os contingentes do gado (Quadro I, n.º 6). É com os criadores de gado da Calheta de Mateus que Pêro Anes do Canto em 1506 estabelece, pela escritura de compra ao anterior proprietário, as condições da exploração (O Tombo de Pêro Anes do Canto (1482-1515) [1515], doc. 58: 145-148).

Para mais, ainda se destacam os somente designados por pastores, estes estabelecidos no local, abrigados pelas casas de palha, que, nas situações não abrangidas pelos acordos atrás referenciados, poderão ser homens directos dos proprietários (na ocorrência de privilégio, como vimos, até escravos). Será o caso da criação do Lagido Pequeno (Quadro I, n.º 5), onde apenas os pastores são invocados como actuantes no terreno e informantes de Jos Dutra. Não tendo sido possível estabelecer as formas de relação entre estes e o proprietário pleno da terra, nem tão-pouco configurar todos os termos da actividade em causa, parece que apenas o interferir da categoria de criador poderá, em termos mais sólidos, confirmar um tipo de exploração em parceria.

Conclusão

Ao ser elaborado este estudo prefigurou-se, em primeiro lugar, o conjunto patrimonial do capitão Jos Dutra na ilha do Pico, em 1517/1518, o qual anda associado à sua dupla condição de capitão, depositário de direitos e monopólios, e de detentor de bens próprios. É assim que, no primeiro caso, se referenciam os fornos de poia e a cadeia e, no segundo, as casas, terras e criações.

A mesma abordagem, numa segunda instância e a partir do cruzamento de documentos coevos, autoriza o confirmar do formato económico do Pico em tempos de povoamento, tanto ao nível da produção como dos modelos de exploração. Este formato releva a criação de gado e os contratos típicos de tal tipo de actividade, cujos registos chegaram até nós de forma tão dispersa e lacunar. Para mais, ficam patenteadas as dificuldades e os riscos do investimento na ilha, ainda em finais da segunda década de quinhentos. Para lhes fazer face é o próprio capitão que se consocia, pelo menos, com um terra-tenente destacado e de origem externa. Os interesses que aproximam Jos Dutra e Pêro Anes do Canto traduzem-se num investimento concertado, no intuito de aproveitamento e exploração de determinadas propriedades na ilha do Pico. As dificuldades que se colocam à atracção de investidores e ocupantes delineiam tais estratégias particulares, mas estas não parecem afastar-se das aplicadas às demais ilhas nos seus primeiríssimos tempos.

Bibliografia

COSTA, S. G. (1997), O Pico, séculos XV-XVIIII. S.l., Associação de Municípios da Ilha do Pico.

GIL, M. O. R. (1982), Pastagens e criação de gado na economia açoriana dos séculos XVI e XVII. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, XL: 503-549.

GONÇALVES, I. (1989), O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV. Lisboa, Universidade Nova de Lisboa/Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

GREGÓRIO, R. D. (1998), A propriedade de Pêro Anes do Canto nas ilhas do Faial, Pico e S. Jorge. Estudo de gestão e organização patrimonial (séculos XV e XVI). In O Faial e a periferia açoriana nos séculos XV a XX. Actas do Colóquio realizado nas ilhas do Faial e S. Jorge, de 12 a 15 de Maio de 1997. Horta, Núcleo Cultural da Horta: 507-525.

IDEM (2001), Pêro Anes do Canto: um homem e um património (1473-1556). Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada.

IDEM (2004), Rendimentos da capitania da Praia, ilha Terceira, 1533-1537. Anais de História de Além-Mar, V: 161-183.

SALDANHA, A. V. (1992), As capitanias. O regime senhorial na expansão ultramarina portuguesa. 2.ª Edição, s.l., Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração/Centro de Estudos de História do Atlântico.

Fontes

Arquivo dos Açores. Ponta Delgada, Instituto Universitário dos Açores, I (1980) e IX (1983).

Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (a): Fundo Ernesto do Canto, Manuscritos da Casa de Miguel do Canto e Castro, II, nº 49.

Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (b): Fundo Ernesto do Canto, Colecção de Papeis de Pêro Anes do Canto e seu filho António Pires do Canto, n.º 8.

Fenix Angrence (1989), Transcrição de Hélder de Sousa Lima. Prefácio de M. Baptista de Lima. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, I.

O Tombo de Pêro Anes do Canto (1482-1515). Transcrição, notas e estudo introdutório de Rute Dias Gregório. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, LX (2002): 9-240.

Documento 1

Cerca de 1517-1518. O segundo capitão do Faial e Pico, Jos Dutra, inventaria os bens que possui na ilha do Pico, entre os quais se destacam bens próprios, como casas, terra e gado, bens detidos e explorados em consórcio com Pêro Anes do Canto e direitos e privilégios garantidos pela posse da capitania, traduzidos pela cadeia e pelos fornos de poia. Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. Fundo Ernesto do Canto: Colecção de Papeis de Pêro Anes do Canto e seu filho António Pires do Canto, n.º 8, fls. 1-2.

enventayro do capitão do fayall que

esta em poder do chanceler manuell garcia

Item majs dyse ho senhor capitão que elle tynha no capello (Faial) hu˜a casa de palha em que se rrecolhyam os pastores e que ahy tynha creaçom de vacas e porcos e ovelhas e que nom sabya quantas erom por nom andarem hapastorados e anda todo allfeyryo e as vacas se nom ordenauom

Item majs dyse ho senhor capitão que tynha na jlha do pico na villa hu˜as casas sobradadas nom tem quyntall detrás e fornos de poya e erom cubertas de telha e forradas./

Item majs nomeou que tynha na dita jlha do pico hu˜a casa de cadea terrea cuberta de telha segundo que lhe allembre das quaaes casas dyse que nom tynha tytollo somente por as demarcações se verya estar de posse dellas há muito tempo./

Item majs dyse que ho senhor capitão que tem na dita jlha do pico na villa hu˜a terra na lladeyra defronte das ditas suas casas que se Laura he semea e que estam demarcadas e que com quem partem ha sua nom lhe alembra e que nom tem titollo somente estar de posse./

Item majs dyse ho dito senhor capitão que tynha hu˜a cryaçom na dita jlha do pyquo com terras em a quall cryaçom tem vacas e cabras (fl. 1vº [no fólio 1vº suprapágina está: nom he ly]) e parte de hu˜a banda com [espaço em branco] e cabeço do uymo (?) d’alem djreito a serra e da outra banda com os mosteiros dereyto a sera [sic] da quall dyse que tynha titollo e que ho tynha sua molher em suas arcas e seus papees

Item majs dyse ho senhor capitão que tynha na dita jlha do pico hu˜a terra de cryaçom que ouue por titollo de compra dos toledos.scilicet. que ha ouue pero anes do canto per hum concerto que antre sua merçe e pero anes do canto ha./ a quall cryaçom parte de hu˜a banda com ho llagydo pequeno e da outra com antonio dutra e antonio do porto em a quall cryaçom esta hu˜a casa de palha em que esta hum pastor que crya vacas em que há xxx vacas de ventre pouco majs ou menos segundo que os pastores ho dyzyam a sua merçe././

Item majs dyse ho dito senhor capitão que tynha outra cryaçom no dito pico aos jlheos em que esta hu˜a casa de palha em que esta ho pastor que tem vacas e que na dita cryaçom avya trinta vacas de ventre segundo que ho cryador lhe tem dito e parte ha terra de hu˜a banda com antonio dutra e da outra com o monte queymado dereyto ao pico e que pero anes do canto tem a metade da dita creaçom e gado e asy tem esta ametade da terra e cryaçom./ da cryaçom que ora pero anes posuy na dita jlha do pico que parte da banda [sic] com monte queymado e da outra com terras de mjgell dellacasa da banda do sul do mar a serra e que as cartas das dadas das ditas terras que as tem pero anes do canto

(fl. 2) Item majs dyse ho senhor capitão que elle tynha outra terra que elle comprara na dita jlha do pico que foe de mjgell fernandez que foe de pero anes de carya que foe do sengo a quall terra parte de hu˜a banda com pero anes do canto e da outra com ho cabeço da sellada da talhada e vay da villa ate os jlheos da quall terra esta pero anes do canto de posse della por hum conçerto que ha antre elle e pero anes do Canto ha [sic] e asy outro tanto ha cryaçom de monte queymado e asy há cryaçom dos jlheos e que todo tem pero anes do canto as escprituras [No fl. 2vº está: enventayro que fez ho capitão do faall das terras da jlha do pico./.]

Última actualização a 10.07.2007 Voltar ao topo